Nota do editor: Alexandre Cherman é astrônomo no Instituto Fundação João Goulart.

Que a Terra é um planeta e gira ao redor do Sol é algo conhecido já há alguns séculos. Ou, pelo menos, deveria ser. Em tempos de negacionismo e fake news, não custa enfatizarmos o óbvio. A Terra é um planeta. Tem um formato que se aproxima de uma esfera (o nome técnico para a forma da Terra é “geóide”, que literalmente quer dizer “forma da Terra”). Esse planeta gira ao redor de si mesmo e, assim, define um eixo. É a linha imaginária que une os polos Norte e Sul, passando pelo centro da Terra. E como qualquer linha reta, esse eixo define um plano perpendicular a ele: é o plano do equador terrestre.

Mas, já dissemos, a Terra não gira apenas em torno de si. Ela gira em torno do Sol também. Faz esse movimento ao longo de um ano. O nome desse movimento é revolução, mas provavelmente você o chama de translação. E aqui vale um desvio histórico, uma defesa em prol da revolução. Revolução da Terra, diga-se…

O paradigma científico até o começo do século XVI era o modelo geocêntrico. A Terra ficava parada no centro do Universo e tudo girava ao redor dela. Esse modelo era corroborado pela experiência cotidiana de que vemos os objetos celestes surgirem no horizonte leste e sumirem no horizonte oeste, como se todos realmente estivessem realizando um movimento em uníssono. O próprio termo “universo” surge deste equívoco, a partir da expressão em latim unus verterem, “aquilo que gira como uma coisa só”.

Em 1543, o astrônomo e matemático polonês Nicolau Copérnico começou a colocar as coisas em seu devido lugar. Ele lançou um livro onde defendia o sistema heliocêntrico, com o Sol parado no centro do Universo (o que também está errado, obviamente). Para Copérnico, a Terra era só mais um planeta, como os demais que se viam no céu, e como um bom planeta, ela girava ao redor do Sol.

O livro onde Copérnico defende esta ideia chamava-se De revolutionibus orbium coelestium, ou, em português, “Da revolução de esferas celestes”. Vejam, no livro em que diz que os planetas (as tais “esferas celestes” do título) giram ao redor do Sol, ele chamou – logo no título – esse movimento de “revolução”.

Então… qual é o nome do movimento?

Para piorar, se consultarmos um dicionário para entendermos o termo “translação”, veremos que ele faz alusão ao ato de transladar, que é “mudar de lugar”. De fato a Terra está sempre mudando de lugar em seu movimento, mas ela acaba voltando ao ponto de partida após uma órbita completa… Não é lá uma grande mudança, não é? E se mergulharmos de cabeça no significado da palavra, veremos que “translação” já é um termo usado em Física para designar o “movimento de um sólido cujas partes mantêm uma direção constante”. Definitivamente a Terra não mantém uma direção constante!

Entenderam porque “translação” é um nome ruim? Eu sei que já está consolidado, mas continua sendo ruim…

Terminado nosso desvio, retomemos o fio. A Terra gira ao redor de si (rotação) e ao redor do Sol (revolução). Sua rotação define um eixo que, por conseguinte, define um plano perpendicular a ele (o plano do Equador). A revolução também define um plano, o plano da órbita da Terra, cujo nome técnico é “plano da Eclíptica”. Seria muita coincidência se esse dois planos fossem o mesmo plano, não é?

Não são. O plano do Equador e o plano da Eclíptica são inclinados um em relação ao outro. O que equivale dizer que o eixo de rotação da Terra está inclinado em relação ao seu plano orbital. A Terra, com um pião, gira inclinada. Isso faz com que em determinadas épocas do ano, um de seus hemisférios receba mais luz e calor do que o outro. Sem problemas! Seis meses depois, a situação se inverte.

Nossos antepassados não sabiam nada disso, sobre rotação e revolução. O que eles viam era o movimento aparente do Sol, que nascia e se punha todos os dias (por conta da rotação da Terra) e ao longo do ano nascia e se punha em locais diferentes (por conta da revolução). Se você olhar o Sol nascer (ou se por) todos os dias, verá que ao longo do ano ele faz um movimento pendular. Ele nasce em um ponto, vai migrando rumo ao norte, chega em um ponto extremo, para, começa a voltar rumo ao sul, atinge outro ponto extremo e fica nesse vaivém ano após ano.

Solstícios e equinócios

Exatamente como um pêndulo, nos pontos extremos da trajetória o Sol para e começa a voltar. Os astrônomos antigos chamaram esses pontos de “solstício”, que quer dizer “sol estático”. Historicamente, os solstícios marcam o início do verão e do inverno; ocorrem em junho e dezembro.

No meio do caminho, quando o Sol nasce exatamente no ponto cardeal Leste e se põe no ponto cardeal Oeste, temos os “equinócios”. Eles marcam o início da primavera e do outono, e ocorrem em março e setembro. O termo “equinócio” vem de “noites iguais”, numa alusão ao fato de que neste dia, e somente neste dia, a noite tem a mesma duração do dia.

Estamos em março, então o leitor astuto já sabe que há um equinócio por perto. Aqui no Hemisfério Sul, temos o início do outono. No Hemisfério Norte, o começo da primavera.

E como somos uma cultura dominada pelas civilizações do norte, o equinócio de março sempre foi considerado mais importante que o de setembro, pela chegada da primavera. O início da primavera era o início do ano. “Primavera” literalmente quer dizer “primeira estação”. O equinócio de março era celebrado como o fim dos rigores do inverno e o início de um período de clima ameno e de abundância na natureza. Assim, não é coincidência que muitas festas religiosas giram em torno desta época, como a vindoura Páscoa, que, na tradição cristã, acontece no primeiro domingo depois da primeira Lua cheia depois do equinócio de março.

Aqui no Brasil, diga-se, somos um país tropical e não temos esses rigores climáticos todos do inverno. Se o mundo tivesse sido dominado por civilizações dos trópicos, provavelmente não daríamos a menor bola pra essa coisa de equinócio.

O equinócio de março ocorre geralmente no dia 21 em anos normais e no dia 20 em anos bissextos, como é o nosso agora. No fuso de Brasília, o outono do Hemisfério Sul começa aos seis minutos desta quarta-feira, dia 20 de março. Para quem nos lê em Cuiabá ou Rio Branco, o outono chega ainda na noite do dia 19.

Celebremos a nova estação com a certeza de que nada muda de imediato, e em terras tropicais nada muda muito. Mas é sempre bom saber que a Terra continua firme e forte em sua jornada ao redor do Sol, singrando o espaço a cerca de 30km/s. Copérnico ficaria feliz.

Este artigo foi republicado do The Conversation sob uma licença Creative Commons.

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Fonte : CNN BRASIL

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