A economia do Brasil andou de lado no 3º trimestre de 2023, segundo dados divulgados no início da semana pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). O Produto Interno Bruto (PIB) registrou uma leve alta de 0,1% em relação aos três meses anteriores, confirmando o cenário de desaceleração após dois trimestres consecutivos de forte expansão – embora o resultado do período entre julho e setembro tenha ficado acima das projeções do mercado.

Para o economista Claudio Considera, coordenador de Contas Nacionais do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas (FGV Ibre) e um dos responsáveis pelo Monitor do PIB da FGV, o “freio” na atividade econômica do país é explicado, entre outros fatores, pelo baixo nível de investimento na produção, a chamada Formação Bruta de Capital Fixo (FBCF). Grosso modo, ela mede o aumento de bens de capital das empresas. Esses ativos têm a função de produzir outros bens.

Segundo o IBGE, o indicador recuou 2,5%, na comparação com o trimestre anterior, e a taxa de investimento ficou em 16,6% do PIB, ante 18,3% do mesmo período do ano passado.

“É o nosso maior obstáculo. Hoje, nós temos uma capacidade produtiva estagnada, uma taxa muito fraca de investimento. O investimento é o produto futuro. Sem uma maior capacidade produtiva, não haverá expansão da economia”, alerta Considera, em entrevista ao Metrópoles.

“Isso está relacionado a uma incerteza do empresariado em relação à capacidade deste governo de entregar as reformas que eram esperadas. Até agora, o governo vem demonstrando que está conseguindo entregá-las. Ainda assim, elas não estão completas”, diz o economista, que foi chefe das Contas Nacionais do IBGE, diretor do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) e secretário de Acompanhamento Econômico do Ministério da Fazenda.

Na entrevista, Considera chama atenção para a resiliência do consumo das famílias, que cresceu 1,1% no trimestre. Sob a ótica da demanda (gastos com bens e serviços), trata-se do principal componente do PIB, respondendo por cerca de 60% do índice.

“A queda da inflação aumentou o poder de compra das famílias, de maneira geral. Outro fator é que tivemos uma redução da taxa de juros, mas ela ainda não impactou tudo o que poderia impactar, principalmente no consumo de bens duráveis, que não foi muito bem no terceiro trimestre”, afirma.

Leia os principais trechos da entrevista de Claudio Considera ao Metrópoles:

O resultado do PIB no 3º trimestre confirma a desaceleração da economia brasileira, mas veio acima das projeções. Por quê?

Para nós, aqui no Monitor do PIB, a estimativa era a de um crescimento de 0%, não um resultado negativo, como muitos esperavam. O número que veio foi 0,1%, praticamente a mesma coisa. Também vimos a economia desacelerando. Na verdade, ela está estagnada, mesmo diante de um resultado positivo muito pequeno no trimestre. Não há razão para espanto. Depois que passou a safra da soja, que deu um impulso muito grande ao PIB no 1º trimestre, tivemos uma desaceleração e os analistas ficaram mais pessimistas. Muita gente do mercado fez projeções negativas, com queda de 0,3% ou 0,4% do PIB no 3º trimestre. Mas o resultado não nos espantou. Veio dentro daquilo que estávamos imaginando.

Outro dado que surpreendeu o mercado foi a alta de 1,1% do consumo das famílias, a 10ª consecutiva. O que impulsionou esse crescimento?

A queda da inflação aumentou o poder de compra das famílias, de maneira geral. Outro fator é que tivemos uma redução da taxa de juros, mas ela ainda não impactou tudo o que poderia impactar, principalmente no consumo de bens duráveis, que não foi muito bem no 3º trimestre. Mas as famílias continuam consumindo serviços e bens não duráveis, o que tem a ver com a transferência de renda, que permite às pessoas de mais baixa renda continuarem comprando esses produtos, que são basicamente alimentos, além de consumirem serviços de forma geral.

Por que esse aumento do consumo em bens não duráveis e serviços não se repete nos bens duráveis, como eletrodomésticos, eletroeletrônicos, móveis e automóveis?

Isso tem a ver com a taxa de juros. Normalmente, esses itens são comprados no crediário, o que torna muito caro para as famílias consumirem esse tipo de bem.

Os números do IBGE mostraram uma queda de 6,8% nos investimentos em relação ao mesmo período do ano passado, o maior recuo desde 2020. Na comparação trimestral, o recuo foi de 2,5%. O que vem puxando o investimento para baixo?

Desde o 1º trimestre deste ano, a taxa de Formação Bruta de Capital Fixo tem sido negativa. Isso está relacionado a uma incerteza do empresariado em relação à capacidade deste governo de entregar as reformas que eram esperadas. Até agora, o governo vem demonstrando que está conseguindo entregá-las. Ainda assim, elas não estão completas. A reforma tributária, por exemplo, foi aprovada pelo Senado e ainda pode sofrer várias alterações na Câmara. Essa insegurança quanto ao futuro faz com que o empresário não saiba quanto será o seu lucro líquido de impostos ou quanto de imposto ele vai pagar. Tem muita coisa que ainda não está clara na reforma tributária. O outro ponto é a taxa de juros. Os investimentos, geralmente, são feitos com empréstimos. Dessa forma, a taxa de juros ainda elevada atrapalha um pouco. Mas a questão do investimento, sem dúvida, é o nosso calcanhar de Aquiles. Sem investimento, não tem produto. O investimento hoje é o produto de amanhã. Uma economia sem investimento não vai muito longe. O nosso nível de investimento está em torno de 16% do PIB (16,6% no 3º trimestre). Na época do chamado “milagre econômico”, na década de 1970, esse investimento chegou a 27%. Hoje, a participação da taxa de investimento no PIB é baixa por causa da taxa de juros e também das incertezas em relação ao futuro do país. À medida que o governo demonstrar que é capaz de entregar as reformas necessárias para que a economia funcione melhor, nós voltaremos a ter investimentos. Isso é imprescindível.

Depois de alavancar o crescimento da economia no início do ano, a agropecuária recuou 3,3% no 3º trimestre. Por que o setor perdeu força?

O grande destaque do crescimento da economia brasileira em 2023 deve ser novamente a agropecuária. Não há nenhuma dúvida quanto a isso. A agropecuária será responsável por uma parcela muito importante dos 3% que nós cresceremos neste ano. Embora tenha havido essa redução progressiva ao longo do ano, trimestre a trimestre, o setor já se expandiu suficientemente para garantir seu papel preponderante no PIB de 2023. Essa perda de força tem a ver com a safra. Praticamente tudo já foi colhido nas lavouras. Em setembro, tivemos o início do período chamado de entressafra, tanto para a agricultura quanto para a agropecuária. Isso é algo normal, é o padrão do país, tem a ver com a sazonalidade. Essa diferença agora fica muito clara porque no 1º trimestre fomos surpreendidos positivamente por números muito robustos, principalmente da soja.

Esse provável crescimento de 3% do PIB em 2023 seria um desempenho muito melhor do que as projeções indicavam no início do ano. Por que os economistas erraram tanto?

É importante lembrar que os economistas fazem projeções. São modelos com base em dados do passado e do presente. Projeção é feita para errar. Ninguém acha que vai dar o número exato que foi projetado. Muitas vezes a pessoa acerta em um ano e erra muito no outro ano. Projeção é projeção, tem muito de sorte também. No início deste ano, nós tivemos uma explosão de produção na agropecuária, que surtiu efeitos em toda a economia. O agronegócio representa algo entre 25% e 30% do PIB. Imagine que esse setor cresce abruptamente, o impacto disso na economia em geral. Não dá para dizer que os economistas erraram tudo. Mas projeção, como eu disse, é feita para errar.

Para 2024, o mercado espera que o PIB do Brasil avance cerca de 1,5%, uma forte desaceleração em relação a 2023. O país tem condições de surpreender novamente ou a tendência é mesmo um desaquecimento?

Alguns economistas estão projetando um crescimento entre 0,6% e 1,2% para 2024. Na verdade, pode acontecer qualquer coisa. O que a gente sabe é que não teremos uma safra crescendo mais do que a deste ano. Mas ela será, no mínimo, equivalente à de 2023. Se for igual, já teremos novamente uma produção espetacular. A agricultura não vai fracassar no ano que vem, muito pelo contrário. Ela vai se comportar muito bem. Além disso, de onde pode vir o nosso crescimento? Vamos supor que o governo consiga entregar uma boa situação, que continue havendo essa demanda por emprego… É difícil afirmar com certeza e com tanta antecipação. O que vai acontecer com a taxa de juros, por exemplo? Há uma porção de condicionantes pelo caminho. O futuro é incerto. Não é simples imaginar o que vai ocorrer no ano que vem.

Qual é o principal obstáculo para o crescimento da economia brasileira?

Investimento. Este é o nosso maior obstáculo. Hoje, nós temos uma capacidade produtiva estagnada, uma taxa muito fraca de investimento. O investimento é o produto futuro. Sem uma maior capacidade produtiva, não haverá expansão da economia. É necessário, de alguma maneira, estimular esse investimento. O capital estrangeiro está aí. É fundamental que o governo continue nesse embate para aprovar as reformas que vão reduzir o custo Brasil e, desta forma, aumentar a capacidade produtiva do país. O investimento é a chave.

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Por Metrópoles

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