Com escândalos e sob pressão, Gustavo Petro completa um ano na Presidência da Colômbia

São Bento em Foco
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Um ano depois do início do mandato de Gustavo Petro como presidente da Colômbia, há muitas nuvens no horizonte que colocam sua gestão em dificuldades. Mesmo alguns dos que o apoiaram em na candidatura hoje têm ressalvas sobre sua atuação como chefe de Estado.

“Tendo votado no presidente Petro no segundo turno, quero dizer que este governo está sendo muito decepcionante. Que a agenda social que foi prometida ao povo para fazer mudanças profundas na política colombiana não teve prioridade. Pelo contrário, permaneceu atolado, emaranhado em pactos com a política tradicional”, disse à CNN  Jennifer Pedraza, representante da Câmara pelo partido de esquerda Dignidade e Compromisso.

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“Não há um mês sem um escândalo de corrupção que afete profundamente o governo. As reformas também não entraram na pauta das mobilizações sociais dos últimos anos”, acrescentou Pedraza.

Além disso, o dia 3 de agosto foi talvez um dos mais difíceis para Petro. Em documento, assinado sob juramento, seu filho mais velho, Nicolás Petro, declarou perante o promotor Mario Andrés Burgos que aceita as acusações contra ele pelos crimes de enriquecimento ilícito e lavagem de dinheiro.

Nicolás também prometeu prestar informações às autoridades nas quais demonstraria que parte do dinheiro que recebeu de ex-traficantes e políticos corruptos teria entrado na campanha presidencial de seu pai, em 2022.

“Recebo com dor, a nível pessoal, a informação sobre alegadas irregularidades no desenvolvimento da campanha presidencial no litoral. Quanto à instituição, sem qualquer hesitação, afirmo e reitero que ninguém pode estar acima da lei e que a Justiça deve ser aplicada com imparcialidade, com o devido processo legal e com todas as garantias do devido processo legal e garantias constitucionais”, disse Gustavo Petro em comunicado.

Ele adicionou ainda que “serão os juízes, em seus diferentes poderes, que definirão legalmente o que acontecerá”.

A promotoria também deteve sua ex-nora, Daysuris Vásquez, em 29 de julho, acusada de lavagem de dinheiro e enriquecimento ilícito. Vásquez foi a primeira a informar as autoridades e a imprensa, em março passado, das supostas irregularidades de seu ex-marido, Nicolás Petro.

Assim, cria-se uma situação jurídica muito complexa, penosa a nível pessoal, familiar e politicamente difícil para o presidente Gustavo Petro, homem que ao longo da sua carreira política teve no combate à corrupção uma das suas principais bandeiras — e que, sob essas promessas, sobretudo a de uma mudança radical na conduta do Estado, conseguiu ser eleito para governar o país no período de 2022 a 2026.

Além desse escândalo, a Promotoria também está investigando o ex-embaixador na Venezuela Armando Benedetti e a ex-chefe de gabinete Laura Sarabia por suposto abuso de autoridade e suposto financiamento ilícito da campanha presidencial.

No entanto, essas não são as únicas questões que cercam o presidente. Petro perdeu as maiorias necessárias no Congresso para realizar diversas reformas como trabalhista, da saúde, da previdência, da Justiça, entre outras.

“Acho que aconteceram duas coisas com o presidente Petro: de um lado, um governo que quer mudar tudo rápido e impor. E do outro lado está uma oposição dos partidos tradicionais que literalmente não quer mudar nada. Juntaram as duas coisas, e aqui o melhor é fazer reformas combinadas e não reformismo institucional”, disse à CNN Ariel Ávila, senador do partido de centro-esquerda Alianza Verde.

“E a segunda coisa que aconteceu é que este é o primeiro governo de esquerda. É um governo que não é bom de executar, que tem muitos anúncios, mas na hora de concretizar isso em programas, projetos, ou seja, na hora de executar não é tão bom”, acrescentou.

No balanço desses primeiros 12 meses de governo de Gustavo Petro, Isabel Cristina Zuleta, do partido governista Pacto Histórico, admite que eles tiveram muitas dificuldades, mas afirma que são importantes os avanços do que ela chama de “governo da mudança”.

Eleitores na Colômbia / Sebastian Barros/NurPhoto via Getty Images

“Considero que foi um ano maravilhoso, de muito esforço, de várias dificuldades, mas realmente maravilhoso. As pessoas sentiram que a renovação chegou. Estamos realmente aqui apostando na paz”, diz a deputada.

“Estou muito feliz por termos conseguido montar uma mesa de paz urbana que não havia acontecido em nosso país”, adiciona Zuleta sobre a iniciativa conhecida como “Paz Total”, um dos pilares do governo.

“Hoje estamos falando de uma paz mais abrangente, o que chamamos de paz total. E acima de tudo um balanço muito positivo com nosso plano de desenvolvimento, nos esforços que temos feito para retirar a jurisdição agrária, um compromisso com a ruralidade, com a reforma agrária, com a entrega de terras temos um equilíbrio maravilhoso, não tinha acontecido em outros governos”, afirma a senadora do Pacto Histórico.

“Temos uma entrega de terra constante, fazendo um esforço para entregar mais terras no país, mas acima de tudo para que a população seja ouvida”, continua.

No entanto, alguns analistas veem essa política como um dos principais “calcanhares de Aquiles” do presidente Petro.

“A paz total é o principal objetivo do Petro, mas será sua principal dor de cabeça daqui até o fim, porque é impossível para ele realmente alcançá-la. Total, impossível. Paz impossível. Estamos apenas começando a implementar o que foi acordado entre o governo do presidente Santos e as FARC”, avalia o analista político Jaime Honorio González.

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Outros especialistas consideram que os grupos armados ilegais aproveitaram o cessar-fogo bilateral com o governo para aumentar suas ações violentas e que afetaram consideravelmente os indicadores de segurança.

“Em termos de segurança, o balanço deste governo é francamente desastroso. A insegurança aumentou no país, a extorsão disparou e os sequestros também, os massacres aumentaram. O fortalecimento de grupos violentos ilegais em muitas regiões do país é enorme”, pontuou à CNN o diretor da fundação Segurança e Democracia, Alfredo Rangel.

“A erradicação forçada da coca praticamente parou. Nunca antes na Colômbia, nem mesmo na época de Pablo Escobar, houve tantos hectares plantados com folhas de coca e tanta produção de cocaína”, ponderou.

O senador Ariel Ávila, que esteve à frente da iniciativa de lei frustrada de levar as quadrilhas a serviço do narcotráfico à Justiça, afirma que a política do Paz Total precisa ser revista.

“A paz total é uma intenção do governo em dois setores. De um lado, tentar consolidar os processos de paz com a guerrilha, neste caso com o ELN e alguns dissidentes das antigas FARC, e, por outro lado, submeter à justiça a organizações criminosas”, explica Ávila.

“No entanto, houve uma deterioração da segurança nos últimos 4 ou 5 anos, que vem do governo Duque, e que este governo não conseguiu impedir. Então a população critica a política de paz total com muita severidade porque não vê uma melhora na segurança”, argumenta o membro da Aliança Verde.

Desafios a curto prazo

Entre os desafios mais importantes para o presidente Gustavo Petro no curto prazo estão as eleições regionais e locais, que serão realizadas no dia 29 de outubro, para eleger governadores, prefeitos, deputados e vereadores.

Alguns setores políticos afirmam que serão um termômetro para medir nas urnas se os colombianos apoiam ou não a gestão atual. É assim que avalia Hernán Cadavid, representante da Câmara pelo partido de oposição Centro Democrático.

“Será um plebiscito. No dia 29 de outubro, o país viverá quase o primeiro turno presidencial de 2026. O país sairá pelas regiões para dizer ao governo se concorda ou não com o que está propondo”, coloca Cadavid.

“As pesquisas mostram que não 61% do país acha que estamos no caminho errado. E nos fatos ficou evidente: discussões políticas e ideológicas, mas nenhuma conquista do governo nacional e isso é bastante preocupante já completando um ano velho”, sustenta o especialista.

Na rua, as opiniões dividem-se, e no meio político há uma evidente polarização. A CNN pergutou aos cidadãos sobre este primeiro ano de governo, e María Zuluaga, uma dona de casa de Bogotá, disse que achou “assustador, mas nem pior, nem mais, nem menos que os anteriores. Nem Uribe, nem Santos, nem Duque colocam-se no mesmo cobertor”, disse .

Luis Enrique Jaimes, aposentado de 65 anos, comentou: “Este ano foi de altos e baixos. Com graves problemas de ordem pública, com problemas de pistoleiros, gangues de ladrões, essa parte foi muito crítica, tudo segurança. E o programa econômico está aí, mais ou menos”.

Além disso, a taxa de desemprego no mês de junho foi de 9,3%, e a inflação de 12,1%, segundo dados oficiais do Departamento Administrativo Nacional de Estatística (DANE).

É por isso que há quem, como Jesús Ortiz, um vendedor informal que trabalha nas ruas de Bogotá, se queixe das dificuldades que enfrentam. “A situação está ficando difícil, apertada. Pouco trabalho e as coisas aumentaram muito”, afirma.

Em meio a esse panorama de polarização, há quem, como o analista Jaime Honorio González, defenda que ter um primeiro governo de esquerda na Colômbia é saudável para a democracia. Apesar dos erros que pode estar cometendo.

“A dura realidade de saber que muitas coisas não podem mudar, mesmo que se autodenominem o governo da mudança. O que temos a dizer a favor desse equilíbrio? Que a esquerda chegou, que não aconteceu nenhuma das tragédias que a extrema-direita imaginou, que íamos ‘venezuelar’, que isso ia ser a continuidade do governo Maduro, que ia se manter no poder. Em suma, uma série de situações em que muita gente acreditou”, avalia González.

Entretanto, essa é uma opinião com a qual o parlamentar Hernán Cadavid não concorda. “Há mais anúncios e slogans do que conquistas. Mudanças de gabinete, improvisos. Muitos dos entes do Estado ainda sem nomeações concretas.”

“Reformas que ficaram pelo caminho e continuam sendo meras expectativas até agora. E acredito que o processo já começou. primeiro ano era hora de apresentar ao país fatos concretos e hoje ainda estamos divagando num discurso que parece ser de campanha política e não do presidente da República”, adiciona.

Durante este primeiro ano de governo do presidente Gustavo Petro, centenas de milhares de colombianos saíram às ruas em diversas ocasiões. Alguns para apoiar as iniciativas de reformas sociais e a gestão de seu governo.

Outros são contra as mudanças anunciadas e suas políticas de paz e política externa, como o restabelecimento das relações diplomáticas e comerciais com o governo venezuelano.

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Fonte : CNN BRASIL

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