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Carolina Maria de Jesus, escritora mineira radicada em São Paulo, viveu por muitos anos nas periferias do estado mais abastado do Brasil e teve sua vida transformada com o lançamento de seu livro Quarto de Despejo, em 1960. Já Socorro Lira, paraibana nascida em Brejo do Cruz e que reside na capital paulista há 20 anos, aprendeu violão sozinha e afinou seu talento tanto para a música, carreira que segue há três décadas, quanto para a literatura, com a publicação de cinco obras. São Paulo e a poesia são dois dos elementos que aproximam essas mulheres em nova empreitada: o disco Dá-me as Rosas, usa a voz de Socorro para textos musicados de poesias escritas por Carolina na obra Antologia Pessoal, de 1996. O disco já está nas plataformas digitais e a cantora inicia, no próximo sábado, justamente em São Paulo, a turnê que promoverá o álbum. 

Dá-me as Rosas é o terceiro álbum de uma série que adapta poemas de escritoras brasileiras | Imagem: Divulgação/Cais
Dá-me as Rosas é o terceiro álbum de uma série que adapta poemas de escritoras brasileiras | Imagem: Divulgação/Cais

Esse disco, com 11 faixas, é o terceiro volume do projeto AvivaVoz, que traz, sob a curadoria da própria Socorro e das escritoras Maria Valéria Rezende e Susana Ventura, álbuns com músicas baseadas em textos de poetas brasileiras. A estreia foi com Cantos à Beira-Mar, a partir da obra de Maria Firmina dos Reis, lançado em 2019. O segundo foi Noturno, bebendo do legado de Ruth Guimarães, que veio a público em 2022. A expectativa é que outros sete volumes sejam lançados, perfazendo 10 antologias poéticas em formato musical.

A obra mais conhecida de Carolina havia sido musicada por ela mesma ainda nos anos 1960 — o disco Quarto de Despejo — Carolina Maria de Jesus Cantando Suas Composições, trazia 12 faixas baseadas no diário que a tornou célebre em todo o país. Mas para Socorro, é preciso que o artista tenha “olho” para intuir se um texto em prosa ou em versos pode ganhar um arranjo musical. “A gente consegue perceber quando tem ritmo, quando há algo ali. Nem todo poema carece de música, do mesmo jeito que uma letra de música não é necessariamente um poema, ela, às vezes, vai por um caminho mais concreto, menos subjetivo”, explica a cantora.

Foi por meio de Quarto de Despejo – Diário de uma Favelada que Socorro conheceu o legado de Carolina: chegou em suas mãos uma cópia rasurada do livro, quase como se fosse um descarte, a exemplo dos materiais recicláveis que a autora mineira coletava antes de seguir trajetória na literatura.

“Foi uma revolução dentro de mim. O diário é comovente, duro, leve e instigante. É uma autora que deveria ser estudada nas escolas, nas aulas de literatura, e que a gente sabe que não é porque está longe dos cânones masculinos e brancos, sendo ela mulher e preta”, pontua a artista.

A ideia original do projeto partiu de Maria Valéria, santista radicada em João Pessoa desde os anos 1970, durante o evento literário Mulherio das Letras, em 2017. Ela rememora ter tomado um susto com a leitura dos poemas, pelo fato de não ter tido ciência do trabalho de Maria Firmina dos Reis antes desta experiência.

“O projeto resultou nesse compacto, com quatro músicas. Maria Valéria propôs que ampliássemos o leque. Chamamos Susana Ventura, que é uma grande pesquisadora, e chegamos num número de 45 mulheres com produção literária. Refinamos quais tinham poemas que poderiam virar música”, detalha Socorro.

Dá-me as Rosas, que traz como subtítulo A Poesia de Carolina Maria de Jesus na Música de Socorro Lira, faz referência a um texto dos textos literários da autora, falecida em 1977. O disco conta com as participações da maranhense Célia Sampaio (em “Os feijões”), da moçambicana Mingas (em “Trinado”) e do grupo paulista de cantadeiras urbanas Clarianas (em “As aves”). 

Socorro revela ter livros inéditos para publicação — incluindo um romance —, mas diz que enxerga no audiovisual a ferramenta ideal para a divulgação de trabalhos como este, motivo pelo qual estreitou seus laços com o cinema nos últimos anos. “Acabei de rodar o curta-metragem Vênus Visitou São Paulo e estou trabalhando num filme sobre Maria Firmina dos Reis, a partir de meu contato com sua obra. Estudei ficção para cinema e pretendo estudar mais sobre documentário. A palavra perpassa tudo o que venho fazendo”, afirma.

Sobre os futuros lançamentos do projeto AvivaVoz, Socorro gostaria de incluir em um de seus próximos volumes uma autora indígena, possibilidade que não havia entrado no radar da cantora quando da primeira etapa da pesquisa. “Estamos num momento urgente de dar visibilidade a vozes que foram marginalizadas. Cada poeta abordada é singular e tem contribuição no mesmo grau. O racismo colocou essas pessoas à margem, apesar de elas trazerem uma contribuição grande para a história de nosso país”, lamenta. 

Através do link, ouça o novo disco de Socorro Lira

*Matéria publicada originalmente na edição impressa do 04 de setembro de 2024.


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A União

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