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Em meados dos anos 1980, o maior sucesso do gênero telenovela, Roque Santeiro, causou uma briga homérica entre dois roteiristas contratados da TV Globo. Seu criador, Dias Gomes, havia sido impedido pelo regime militar de veicular essa história uma década antes. Com a abertura política e a censura prestes a cair, ele trouxe à tona o projeto inacabado e deixou os roteiros da maior parte dos capítulos de sua obra-prima a cargo de outro autor: Aguinaldo Silva. Anos depois de ciumeiras, xingamentos e disputas financeiras por direitos autorais, a dupla se reconciliou durante uma “pausa para o cafezinho”, no meio de uma reunião na emissora: “Com açúcar ou adoçante?”, teria perguntado Dias. Essa e outras histórias são narradas pelo próprio Aguinaldo Silva no livro Meu Passado me Perdoa, lançado pela editora Todavia.

O pernambucano de Carpina conta de maneira irônica e afiada sua trajetória de vida, partindo da dura infância em sua cidade natal, passando pela juventude engajada no jornalismo local, (e posteriormente, à frente do jornal gay Lampião da Esquina), chegando à carreira de autor da Globo no final dos anos 1970. Os subcapítulos antecipam os entrechos que ele remonta em sua autobiografia. Em “Memórias de uma ex-rainha”, por exemplo, ele traz o momento em que, menino, foi vítima de um bullying cruel dos colegas de sua escola, por não se enquadrar em padrões de masculinidade: foi eleito “rainha da primavera” numa votação manipulada, apenas para que seus algozes tivessem motivo para agredi-lo.

Já em “Tira esse traseiro sujo da minha mesa”, Aguinaldo relata o momento em que foi preso, logo após o ingresso como repórter em O Globo, onde trabalhou depois de se mudar para o Rio de Janeiro. Tendo escrito o prefácio de O Diário de Che Guevara, em 1967, o então jornalista se tornou alvo do regime: foi levado para o presídio fluminense da Ilha das Flores e permaneceu encarcerado por 70 dias.

A frase que dá nome a esse trecho veio do comandante Sarmento, seu interrogador. Sua localização se tornou pública graças a uma forma peculiar de suborno: tornando-se “chapa” de um certo cabo Murilo, fã de literatura, Aguinaldo conseguiu que o militar entregasse um bilhete aos seus chefes, em troca de alguns livros.  

A trajetória do Lampião da Esquina, periódico de vanguarda e de importância que tratava do cotidiano LGBTQIAPN+, é tema de “Mas isso é um jornal de veados!”: criado pelos ativistas Darcy de Andrade e João Antônio Mascarenhas, o jornal teve Aguinaldo como um de seus colaboradores célebres.

Sua incursão na TV vira enfoque de “O diabo bate à minha porta”: como consagrado jornalista policial, foi convidado pelo diretor Daniel Filho para compor a equipe de roteiristas do seriado Plantão de Polícia, em 1979, porta de entrada para seus trabalhos seguintes – as minisséries, como Lampião e Maria Bonita e Padre Cícero e a novela Partido Alto.

 Traficante na Globo

Boa parte de Meu Passado me Perdoa faz jus ao seu subtítulo, Memórias de uma Memória Novelesca, não apenas por dar tratamento de folhetim aos acontecimentos, como por revelar e recontar passagens folclóricas dos bastidores da televisão. Uma história que viralizou quando da participação do autor no videocast Inteligência Ltda. trata da presença de um traficante de drogas entre os figurantes da minissérie Bandidos da Falange, de 1984, como descrito em “Nessa história ninguém presta!”. A substituição de Regina Duarte por Suzana Vieira para Senhora do Destino é exposta em “O inverno de minha desesperança”, subcapítulo sobre a novela de sucesso.

Sua parceria com o grupo Globo foi encerrada há quatro anos, seguindo a política institucional da empresa – o fim de contratos longos e caros com artistas “exclusivos”. Antes de sair, Aguinaldo deixou no ar uma última polêmica: O Sétimo Guardião, que fracassou no Ibope e que gerou uma disputa com seus ex-alunos de curso de roteiro, alegados autores da história.

Uma reportagem do site Notícias da TV, publicada na última quinta-feira (12), dá conta de um revés no futuro dele: a TV Globo aprovou uma sinopse de telenovela deixada pelo autor antes de seu desligamento. Concretizando-se o projeto, Aguinaldo poderá reescrever uma informação desse livro: a de que O Sétimo Guardião seria sua derradeira novela.

*Matéria publicada originalmente na edição impressa do dia 14 de setembro de 2024.


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A União

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