Um documento obtido pelo Metrópoles com fontes que acompanham o caso da Americanas mostra que o executivo Sergio Rial, ex-presidente da companhia e pivô da divulgação da fraude de R$ 20 bilhões que atingiu a empresa, sabia que a varejista passava por problemas financeiros, um mês antes de assumir o posto de CEO, no mínimo. O conteúdo desses papéis, porém, vai de encontro a declarações feitas por Rial, em 22 de agosto, à Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da Americanas, em curso na Câmara dos Deputados.

O documento é uma ata, que leva a tarja de “reservada”, de uma reunião realizada em 2 de dezembro de 2022, um mês antes de Rial ser oficialmente empossado no cargo de presidente da empresa. Nela, diz o executivo: “Importante levarmos em consideração o asset (ativo) da empresa achado. Fizemos um follow on (oferta de ações) espetacular no momento certo, mas gastamos todo o dinheiro e temos que ir à ‘guerra’”.

A seguir, Rial acrescenta: “O mercado precisa acreditar novamente na gente. Tem gente grande interessada, temos que ter uma história e uma estratégia consistente. Se a gente estiver convencido do que a gente faz, a gente convence o mercado de capitais. Talvez demore um pouco, mas a gente convence”.

Em 22 de agosto, contudo, durante depoimento de mais de duas horas à CPI, Rial não mencionou qualquer temor ou descrédito em relação à Americanas no mercado de capitais. Ao responder por que os bancos ofereceram tanto crédito à empresa, afirmou o contrário. Ele disse que “16 analistas cobriam a ação” da varejista, dos quais “10 recomendavam sua compra”. Notou ainda que as agências de risco davam à Americanas as suas maiores classificações, quando comparada a outras companhias. “Estruturalmente, era uma empresa que gozava de muita confiança”, observou.

Rial afirmou aos parlamentares que a desconfiança em relação à Americanas era “inexistente” também da parte dele. Relatou que ingressou em uma empresa que, em 2020, havia colocado R$ 8 bilhões em seu balanço (o follow on acima mencionado), fortalecendo-o na emissão de ações. Não disse, no entanto, que o dinheiro havia acabado, como está descrito na ata. Na CPI, ressaltou: “O segundo trimestre de 2022 é de uma empresa absolutamente rentável. Ela ganha dinheiro no primeiro semestre”.

Participaram da reunião reportada pela ata o executivo André Covre, o diretor financeiro que Rial levou para a Americanas e que assumiria o posto em janeiro, e os ex-diretores da empresa Anna Saicali (CEO da AME Digital), Márcio Cruz (vice-presidente de Digital, Consumo e Marketing), José Timótheo Barros (CEO da Plataforma Física e ex-CFO da Americanas), João Guerra (diretor de RI) e Vanessa Carvalho (diretora executiva), que secretariou o encontro.

Na CPI, na última semana, Rial reafirmou o que já havia dito anteriormente sobre a fraude de estimados R$ 20 bilhões. O relato coincide com as versões que ele havia dado anteriormente, segundo as quais, após ele assumir a cadeira de presidente da Americanas, em 2 de janeiro de 2023, um grupo de diretores lhe teria indicado a existência das distorções bilionárias na contabilidade da varejista.

Durante a sessão na Câmara, José Timótheo Barros foi citado como um desses diretores, ao qual depois se juntaram Anna Saicali e Márcio Cruz, nos alertas ao então novo CEO.

O Metrópoles entrou em contato com os advogados de Rial em busca de eventuais comentários. Após a publicação desta reportagem, a assessoria de imprensa de Sergio Rial enviou a seguinte nota:

“Sergio Rial nunca tomou conhecimento de qualquer situação de crise financeira na Americanas envolvendo as inconsistências contábeis antes de assumir o cargo de CEO. Conforme já esclarecido, a existência das inconsistências contábeis lhe foram relatadas apenas em 4 de janeiro de 2023 por dois diretores da companhia.

“A reunião de 02 de dezembro de 2022, realizada com a presença do futuro CFO André Covre, teve por agenda apresentá-lo aos demais diretores e discutir, dentre outros temas específicos, o orçamento de 2023, conforme provas telemáticas existentes. Contudo, não foram apresentadas nessa reunião as projeções do quarto trimestre sob a alegação de que o Natal teria grande impacto ainda nas vendas.”

 

 

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Por Metrópoles

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