Frentes parlamentares da Câmara dos Deputados estão se articulando para garantir, ainda este ano, a discussão de uma proposta de reforma administrativa que inclua os Poderes Legislativo e Judiciário.
Com mais de 300 parlamentares, as frentes do Livre Mercado, do Empreendedorismo, da Agropecuária, da Mineração Sustentável, do Brasil Competitivo e de Comércio e Serviços querem aproveitar o momento para dar visibilidade ao tema e envolver a sociedade.
“Podemos propor uma emenda parlamentar ou até mesmo apoiar um projeto do Executivo. O governo precisa começar a falar em redução de custos”, afirma Rodrigo Marinho, diretor executivo da Frente Parlamentar do Livre Mercado.
Já existe uma proposta de emenda à Constituição sobre o assunto no Congresso, a PEC 32/2020. Apresentada pelo governo de Jair Bolsonaro (PL), ela chegou a ser aprovada por comissão especial da Câmara em setembro de 2021. Mas, com a proximidade das eleições em 2022, a medida foi deixada de lado e não chegou a ser pautada no Plenário.
A questão é que a PEC 32 abrange esencialmente servidores do Executivo e não afeta categorias como juízes e promotores, por exemplo. Para Marinho, é fundamental incluir os servidores do Legislativo e do Judiciário, já que os privilégios não são mais aceitos pela sociedade brasileira. “Será uma briga, que vamos bancar, e estamos confiantes”, acrescenta. A proposta, acrescenta, não mexeria em direitos adquiridos dos atuais servidores.
Em nível federal, os servidores do Judiciário têm os maiores salários. Segundo o Atlas do Estado Brasileiro, do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), em 2019 a remuneração média deles era de R$ 15,3 mil. No mesmo ano, os salários médios no Executivo e no Legislativo federal eram de R$ 9,4 mil e R$ 9,3 mil, respectivamente.
Na avaliação do deputado Evair de Melo (PP-ES), da Frente Parlamentar da Agropecuária, o ideal seria a apresentação de uma nova PEC, de competência do Congresso Nacional, sem necessidade de interferência do Executivo. “O governo não tem coragem de propor a mudança, mas o Parlamento vai fazer a sua parte”, afirma o deputado.
Desgaste do STF fortaleceu oposição e estimulou apoio à reforma administrativa
O impulso à defesa da reforma administrativa acontece num contexto de confronto entre Congresso Nacional e Supremo Tribunal Federal (STF). Faz algum tempo que os parlamentares estão convencidos de que o Supremo tem avançado para além de suas prerrogativas. Mas os desentendimentos se intensificaram após uma série de recentes decisões da Corte, especialmente as referentes ao marco temporal, à descriminalização das drogas e à liberação do aborto para até 12 semanas após a concepção.
Nas últimas semanas, os parlamentares obstruíram votações em protesto e, numa votação relâmpago na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado, aprovaram um projeto que limita a atuação da Corte, acabando com as decisões monocráticas. Outra PEC, que autoriza o Congresso a derrubar decisões proferidas pelo STF, também voltou a tramitar na semana passada.
Alimentando o confronto, o presidente da Casa, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), defendeu pela segunda vez, na última quarta-feira (4), a criação de mandato para os ministros do Supremo. E o presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP-AL), disse que os Poderes da República precisam manter-se dentro dos “limites constitucionais”, como faz, segundo ele, o Congresso Nacional.
Evair de Melo afirma que as medidas aprovadas em relação ao STF são apenas um “freio de arrumação” necessário. “O Judiciário tem consciência de que avançou mais do que era esperado, que cumpriu um papel que não era dele. Sabem que exageraram nas prerrogativas, nas decisões. Com um reajuste institucional, os Poderes vão funcionar melhor”, diz.
Embora o desgaste do Supremo tenha contribuindo para o fortalecimento da oposição no Congresso, Marinho não considera a inclusão do Judiciário na reforma administrativa como uma retaliação. “Uma hora a discussão teria de avançar contra os privilégios”, diz.
Defesa da reforma foi retomada por Lira
A ideia de resgatar a reforma começou a ser defendida no primeiro semestre pelo presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), apesar da forte resistência do governo de Luiz Inácio Lula da Silva (PT), que admite no máximo mudanças pontuais na legislação.
Na ocasião, a iniciativa foi classificada como estratégia para pressionar por cargos no Executivo. Lira tem dado amplo apoio à iniciativa das frentes.
Com a perspectiva de rombo das contas públicas e da impossibilidade do governo de cumprir a meta de zerar o déficit fiscal para 2024, os parlamentares entendem que o projeto vai avançar. “Tudo o que o governo tem feito em termos fiscais, com o arcabouço e o esforço de arrecadação, não está tendo credibilidade para melhorar o cenário”, acredita Evair de Melo.
O mercado, acredita o deputado, precisa receber sinais positivos, capazes de estancar a evasão de divisas e atrair investimentos para o país. “Uma PEC que tenha aprovação e execução dará este sinal. Não vamos medir esforços para essa correção de rumo”, diz.
Frente quer envolver sociedade na bandeira da reforma administrativa
O calendário de atividades das frentes parlamentares está apertado, mas deve andar rápido a partir da volta ao país de Arthur Lira, no próximo dia 20.
Lira está ausente desde a semana passada, quando embarcou em viagem à Índia, seguida de uma visita à China. Ele estará presente em uma conferência que reúne chefes de Parlamentos em Nova Déli e também realizará encontros com outros líderes em Pequim.
“Trataremos da questão da reforma na primeira reunião de líderes da Câmara”, diz Melo.
Para impulsionar o debate, as frentes marcaram para 1.º de novembro um seminário sobre o tema, com abertura de Arthur Lira e participação de nomes de peso, entre eles o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco, o governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas e a ministra Esther Dweck, da Gestão e Inovação em Serviços Públicos. “Até lá a reforma administrativa já estará na ‘boca’ do povo”, prevê Marinho.
Seja qual for o formato de proposição definido, Melo acredita que as maiores dificuldades se concentrarão no Senado.
“Em questões de reformas estruturantes, o presidente do Senado sempre foi omisso ou refém”, avalia o deputado do PP. “Pacheco fez alguns acenos ao governo na esperança de ser lembrado para a vaga no STF. Como isso não aconteceu, talvez a ficha dele tenha caído e ele possa abraçar a reforma”, diz.
Com Judiciário, economia da reforma pode ultrapassar R$ 400 bilhões
Estimativas da gestora Ryo Asset indicam que a reforma administrativa do Executivo que tramita no Congresso (PEC 32) teria o potencial de reduzir em R$ 180 bilhões os gastos da União em uma década. Considerando todos os estados brasileiros, a economia total poderia alcançar R$ 330 bilhões no mesmo período.
Com a inclusão do Poder Judiciário e dos servidores atuais, porém, a economia chegaria a R$ 420 bilhões em dez anos apenas na esfera federal, calcula a gestora.
Há outras projeções mais otimistas. Em setembro de 2020, quando a PEC foi encaminhada ao Legislativo, o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) projetou impacto entre R$ 470,6 bilhões e R$ 497 bilhões em uma década, somente na esfera federal.
As estimativas têm por base diversos parâmetros, entre eles a quantidade de servidores atingidos pelas mudanças, o número daqueles que vão se aposentar nos anos subsequentes e a chamada taxa de reposição, calculada com base no número de vagas que serão preenchidas por servidores aposentados.
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Fonte : Gazeta do Povo