Uma testemunha diz que uma ofensa racial teria sido usada antes da briga no sábado na doca à beira do rio em Montgomery, Alabama, EUA. É o que consta em documento do tribunal sobre o caso.

A mãe de uma das vítimas na briga alegou em um testemunho juramentado à polícia que “dava para ouvir homens gritando ‘f**k n***er’” enquanto o cocapitão negro de um barco de rio tentava retirar um barco do tipo pontoon boat que ocupava o local de atracação. O termo usado em inglês é um dos mais ofensivos xingamentos racistas no país.

Logo depois das ofensas, o confronto se transformou em uma grande batalha. Gravada em vídeo, a cena levou a polícia a emitir mandados de prisão para três homens, todos do barco que ocupava o atracadouro, como disse o chefe da polícia de Montgomery, Darryl J. Albert, em coletiva de imprensa na terça-feira (8).

Richard Roberts, de 48 anos, foi acusado de dois crimes de agressão em terceiro grau, enquanto Allen Todd, 23, e Zachary Shipman, 25, foram acusados de uma agressão em terceiro grau cada. Os três são brancos. No momento da coletiva, um dos homens estava detido, enquanto os outros dois deviam se entregar à polícia até a quarta-feira, segundo o prefeito Steven Reed.

A CNN tentou conversar com os acusados para comentários, sem sucesso.

As vítimas das agressões foram identificadas como Damien Pickett, o cocapitão, e um menino branco de 16 anos que transportou Pickett para o cais em um bote.

A testemunha também alegou em seu depoimento que Roberts socou seu filho (o rapaz de 16 anos) no peito quando ele tentou “tirar as pessoas” de cima do cocapitão. No vídeo, é possível ver o homem agredido sendo derrubado no chão e agredido por um grupo de vários brancos. Além disso, a testemunha contou que outro homem do grupo disse que ia “pegar sua arma”, momento em que ele foi contido por um funcionário do barco, o Harriott II.

A CNN não irá identificar a mãe ou a vítima do ataque porque ele é menor.

As autoridades analisaram se havia provas suficientes para fazer uma acusação de crime de ódio ou incitação de tumulto, mas as ações não atenderam aos critérios, disse Albert na coletiva de imprensa de terça-feira. Mas ele contou à CNN na noite de terça-feira que as autoridades poderiam “corrigir a acusações conforme necessário” à medida que a investigação continua.

A polícia tem “muitas, muitas mais entrevistas para fazer”, continuou.

“Conforme identificamos outras pessoas com as quais precisamos conversar, pediremos que venham [à delegacia] e tentaremos localizá-las e fazer mais investigações para ver se as acusações são apropriadas”, disse Albert.

Um homem visto empunhando uma cadeira em vídeos compartilhados nas mídias sociais durante a briga está sendo convidado a entrar em contato com a polícia.

A luta exibiu as fraturas na linha divisória entre brancos e negros numa cidade com uma história cheia de violência racial.

Ao todo, 13 pessoas foram detidas e interrogadas por várias horas no sábado antes de serem liberadas, como contou o chefe de polícia.

“Não acho que estamos perto de terminar. Temos muito mais trabalho a fazer”, completou.

“São centenas de vídeos e testemunhos neste momento e, eu diria que, agora, é altamente provável que mais prisões e mais indivíduos enfrentem acusações”, antecipou Albert à CNN.

Saiba o que se sabe até agora da brica na doca à beira do rio sábado e a investigação em curso.

Disputa pelo ponto de atracação foi a causa inicial

Tudo começou por volta das 19h do sábado, quando o barco Harriott II – transportando 227 passageiros – voltou para a orla e tentou atracar em seu local reservado, mas encontrou a embarcação privada – aquele do tipo pontoon boat mencionada acima – ancorada em seu espaço.

O Harriott II e seus passageiros esperaram por cerca de 45 minutos enquanto o cocapitão tentava falar com os operadores do barco usando o sistema de som e “eles só respondiam com gestos obscenos, xingamentos e provocação”, disse Albert, o chefe de polícia.

Pickett, o cocapitão, pegou carona então em outro barco e foi levado para o cais para tentar ter uma conversa com os proprietários da embarcação estacionada para que eles saíssem de lá. Ao chegar em terra, ele foi confrontado pelos donos do barco de uma “maneira muito hostil”, contou o chefe.

“O cocapitão estava fazendo seu trabalho. Ele estava apenas tentando mover o barco o suficiente para que a embarcação pela qual ele era responsável pudesse atracar com segurança em seu local identificado. No entanto, tudo escalou rapidamente”.

Pickett foi “atacado por vários membros do barco privado”. De acordo com o chefe de polícia, os ferimentos levaram o cocapitão a precisar de atendimento hospitalar mais tarde naquela noite.

Vários membros da tripulação do Harriott II vieram então para a defesa de Pickett, de acordo com o chefe.

O funcionário de 16 anos da embarcação menor que deu carona ao cocapitão do Harriott II para a doca também acabou sendo agredido por alguém do barco privado. A mãe do adolescente acusou na polícia um dos indivíduos que atacaram seu filho.

O capitão do Harriott II primeiro chamou a polícia para relatar um distúrbio às 19h. A polícia recebeu outra chamada às 19h15. Os primeiros policiais chegaram à cena às 19h18, de acordo com o chefe de polícia.

A luta foi “provocada por indivíduos imprudentes que não usaram o bom senso e causaram um evento que certamente era evitável”, disse o prefeito Reed durante a coletiva de imprensa de terça-feira. “Dito isso, a polícia reagiu muito rapidamente e com determinação para lidar com o caso, assim como outros cidadãos da comunidade”.

Perguntado na quarta-feira sobre outros que se juntaram à briga, o prefeito respondeu: “Nós teríamos preferido que eles encerrassem a luta”, mas ele entende que as emoções estavam à flor da pele.

“É fácil falar como contornar a situação na manhã de segunda-feira quando não se estava lá, mas eu entendo totalmente aqueles que tomaram a decisão de tentar defender alguém que eles achavam que estava sendo maltratado”.

Investigadores analisaram acusações de crime de ódio

O chefe da polícia disse que os investigadores locais trabalharam com o FBI para examinar se devem apresentar acusações de crime de ódio.

“Não conseguimos provar qualquer incitamento de um tumulto ou acusações de crime de racismo neste momento”, afirmou Albert na coletiva de imprensa. O prefeito Reed ecoou o mesmo sentimento, acrescentando que as autoridades continuam buscando testemunhas para compartilhar provas de vídeo ou áudio com os investigadores.

“É importante para nós entender que havia um jovem trabalhador de doca branco que também tentou ajudar e que foi atacado também”, explicou Reed, o primeiro prefeito negro de Montgomery.

O chefe disse à CNN que o departamento de polícia passou horas investigando o que aconteceu para garantir que fariam as acusações corretas.

“Conhecendo a história de Montgomery, todos os episódios dos direitos civis que vivemos aqui e o que isso significou para a nação, fomos muito cuidadosos para fazer isso direito”, falou Reed.

“Com o avanço de novos desenvolvimentos do caso, vamos alterar o que for necessário. Se descobrirmos crimes de ódio, incitação de tumulto ou o que for: faremos o que for preciso”, enumerou o chefe de polícia Albert.

A história racial de Montgomery virou o foco depois que o vídeo viralizou nas redes. A cidade desempenhou um papel central no comércio transatlântico de escravos. As pessoas escravizadas chegavam à beira do rio Montgomery para serem vendidas nos mercados de escravos da cidade.

Mais tarde, a cidade virou o berço do Movimento dos Direitos Civis após a recusa de Rosa Parks de desistir de sair de seu assento no ônibus para um homem branco em dezembro de 1955, o que levou ao Boicote dos Ônibus de Montgomery, o primeiro grande protesto contra a segregação.

Montgomery construiu uma “cultura de seguir em frente e se reconciliar com o nosso passado”, como contou a vereadora da cidade Marche Johnson à CNN na quarta-feira. Ela lembrou da presença Iniciativa da Justiça Igualitária e o museu e do Memorial Nacional para a Paz e a Justiça, que se destacam na homenagem às vítimas de linchamento.

“Somos terreno fértil para a reconciliação, certo? Mas, agora, o que vejo é um país que se reúne em todas as esferas da vida para querer saber o que faremos a seguir, como podemos resolver isso, como podemos nos unir como comunidades em dois corredores separados e realmente resolver o passado e avançar para o futuro”.

A confusão foi filmada por várias pessoas

O incidente foi capturado em vídeo que viralizou nas redes sociais, mostrando a escalada da interação inicial com o cocapitão e, em seguida, subitamente, como a cena se transforma em luta corporal e, ao final, como a polícia responde à confusão.

A filmagem mostra um homem branco sem camisa atacando e empurrando o funcionário do Harriott II, que jogou seu chapéu no ar. O homem sem camisa então disfere vários socos no cocapitão, e um grupo de vários outras pessoas brancas bateu no trabalhador já caído e começa a bater nele.

Em um ponto, um jovem branco que usava um colete salva-vidas chega à cena e é atingido por um dos homens brancos sem camisa.

A luta cresce ainda mais, com outros grupos de pessoas entrando na briga. Uma pessoa a bordo do barco Harriott II pula na água e nada em direção à confusão.

Depois de uma curta pausa na ação, o Harriott II atraca e começa então uma segunda rodada de lutas.

Enquanto a briga seguia, um homem negro é visto batendo em outras duas pessoas com uma cadeira dobrável antes de ser detido pela polícia. Outra pessoa é vista indo da doca para a água, de acordo com o vídeo.

A testemunha Christa Owen, que estava no Harriott II com sua família, descreveu se sentir como uma “espectadora forçada” ao observar o cocapitão ser atacado. Ela disse que filmou vídeo do confronto e mostrou-o a um policial depois de desembarcar.

“Tive uma grande sensação de impotência. Eu sei o quanto aquele homem deve ter se sentido indefeso”, contou à CNN.

Owen disse que o cocapitão estava apenas fazendo seu trabalho e “tentando atracar para que pudéssemos sair do barco e aproveitar o resto da noite”.

“Os homens no barco privado não ouviram o pedido do capitão repetidamente e esse cara estava salvando nossa noite. Então, quando ele foi agredido, foi apenas um ataque alucinante, desnecessário”, comentou a testemunha.

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Eric Levenson e Christal Hayes, da CNN, contribuíram para esta reportagem.

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Fonte : CNN BRASIL

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