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A Corte Interamericana de Direitos Humanos (Corte IDH) condenou, ontem, o Brasil por falhas na investigação da morte do trabalhador rural Manoel Luiz da Silva. Ele foi executado a tiros, em 19 de maio de 1997, por funcionários de uma fazenda em São Miguel de Taipu, na Mata Paraibana. A sentença reconhece a responsabilidade internacional do Estado brasileiro “pela situação de impunidade dos fatos”.
A Corte IDH considerou que a duração da investigação e do processo penal por mais de 22 anos constitui uma violação da garantia do prazo razoável e uma negação de justiça. A instituição também avaliou que houve violação do direito à integridade psíquica e moral dos familiares da vítima.
Dentre as medidas determinadas pela Corte IDH, destacam-se indenizações compensatórias, no valor de 20 mil dólares, para cada um dos familiares de Manoel Luiz; oferecimento de tratamento médico, psicológico e/ou psiquiátrico gratuito, prioritário, adequado e efetivo a Josefa Maria da Conceição e a Manoel Adelino de Lima — respectivamente, esposa e filho da vítima —, caso assim o requeiram; e realização de ato público, promovido pelo Estado brasileiro, para reconhecimento de responsabilidade e pedido de desculpas públicas pelos erros cometidos no caso.
Para o filho do camponês, a publicação da sentença foi motivo de comemoração, reforçando que a morte de Manoel Luiz não foi em vão e que o caso serve como exemplo para evitar que tragédias como essa se repitam. “É muito importante saber que o que aconteceu com meu pai não foi inútil. Serve como exemplo para que isso não venha mais a acontecer; não vai parar de acontecer, mas que diminua, que os trabalhadores rurais do campo tenham mais valor, sejam mais valorizados”, declarou Manoel Adelino.
Segundo Hugo Belarmino, advogado que representa a Dignitatis, uma das organizações que entraram com a ação na Corte IDH, esse é o primeiro caso envolvendo trabalhadores rurais da Paraíba a culminar em condenação na Corte IDH. Para ele, a sentença representa, ainda, um momento histórico na luta pela terra no estado.
“A gente pensa nela [na sentença], por um lado, como uma reparação material importantíssima para família que perdeu o seu ente muito próximo, mas, sobretudo, a gente está pensando também na continuidade das medidas de combate à violência no campo no Brasil, no Nordeste e na Paraíba, porque a violência continua, porque a criminalização continua”, disse.
Monitoramento
O advogado e assessor jurídico da Comissão Pastoral da Terra (CPT) em João Pessoa, Noaldo Meireles, destacou que, como o Estado brasileiro foi condenado em todos os pontos demandados, o foco agora é “acompanhar a execução da sentença e fazer um movimento de sensibilização junto ao Governo para redução dos prazos e implementação das medidas e indenizações”.
O advogado Hugo Belarmino salientou que a sentença estabelece o cumprimento das medidas em até um ano. “Agora, a gente entra numa fase que se chama de Monitoramento de Sentença. É o Estado brasileiro que tem que se movimentar; existe um órgão que é uma unidade de monitoramento e fiscalização dessas sentenças internacionais que está vinculada ao CNJ, que também fica responsável, ao receber essa sentença, por determinar e detalhar como o próprio Estado vai cumprir essa sentença”.
Contudo, o jurista reforçou que “neste ano [de prazo para o cumprimento], há várias medidas de acompanhamento, novas reuniões, criação de grupos de trabalho, de uma rede de assessoria, composta pelas próprias entidades que peticionaram, para poder evitar que o Estado procrastine ainda mais e adie o cumprimento daquilo que ele já deveria ter cumprido desde muitos anos”.
Ativista celebra decisão, mas ainda há desafios
Para Tânia Maria de Sousa, membro da Comissão Pastoral da Terra, a sentença, que chega após mais de 25 anos de luta, representa uma “coroação” e um “gostinho de justiça” para o movimento pela terra no país. “Para nós, cada conquista que a gente tem é um ganho, num percurso que tem muita negação de direito do povo trabalhador, da classe camponesa. A satisfação que tenho hoje, realmente, é sentir o gosto de que a justiça está reinando, mesmo que tardia”, destacou a ativista.
Ela avalia que a luta pela terra na Paraíba obteve avanços nas últimas décadas, mas que não se pode falar de conquista da terra sem denunciar a prática de violência por parte do latifúndio. Segundo a militante, apesar de terem conquistado mais de 300 projetos de assentamento, os camponeses continuam sendo vítimas de abusos.
“Nós temos mais de 300 projetos de assentamento, todos conquistados com a luta do povo; não é dádiva de governo que desapropriou. Mas, infelizmente, tenho que dizer que, em meio a todos esses ganhos, a gente tem assistido a muita prática de violência contra o povo, ameaça, perseguição, despejos, destruição de lavoura e destruição de casas. Muitos assassinatos ocorreram nesses últimos anos, veja só Manuel Luiz, Seu Paulo Gomes, Bila, Zé De Lela, e eu estou falando só de 90 para cá, sem contar o tempo da Ditadura, em que vários outros das Ligas Camponesas foram assassinados”, criticou a militante.
Obstáculos
De acordo com Fernanda Peres, do Núcleo de Direitos Humanos da Defensoria Pública do Estado da Paraíba (DPE-PB), um dos principais desafios enfrentados pela Defensoria é a dificuldade em convencer o Judiciário sobre os direitos de trabalhadores rurais que ocupam terras há anos, mesmo sem possuir títulos de propriedade formal.
“Existe uma resistência ao reconhecimento dos direitos dos trabalhadores e uma supervalorização desse direito de propriedade, sem considerar que a Constituição informa que a propriedade deve atender a sua função social. Então, se ela não atende à função social, não pode ser garantido ao titular, ao proprietário continuar com aquela área, com aquele local”, explicou.
*Matéria publicada originalmente na edição impressa do dia 19 de fevereiro de 2025.
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A União