As camadas de renda mais alta no país frequentam o atacarejo com maior frequência do que as classes de menor poder aquisitivo. Um estudo da Nielsen sobre o perfil de compra e o acesso das classes de menor renda às marcas revela que 63% dos consumidores das classes C, D e E visitaram lojas de atacarejo em algum momento no último ano, até março. No entanto, entre os consumidores mais ricos, esse percentual ultrapassa 75%.
“Isso evidencia como o atacarejo ainda pode expandir seu mercado entre as camadas de menor renda, contrariando a percepção comum de que o atacarejo já está saturado entre as classes de baixa renda”, afirmou Gabriel Fagundes, diretor de insights para a indústria da NielsenIQ (NIQ).
No Brasil, o percentual de 63% entre as classes de menor renda está abaixo da média nacional, que é de 75,1%.
O fato de as lojas estarem localizadas, em sua maioria, fora dos grandes centros urbanos — áreas com um custo de metro quadrado mais acessível para a expansão do atacado —, o que demanda uma maior locomoção para as compras, influencia esses números. O elevado desembolso por compra, devido ao maior volume adquirido, acaba atraindo predominantemente as classes A e B para as lojas, o que também explica esse perfil de consumidores, segundo o executivo.
Nos últimos anos, houve um aumento no número de unidades em capitais, especialmente de redes como Assaí e Atacadão, com o objetivo de aproximar o atacarejo de outros tipos de público. Isso eleva o custo geral das empresas, devido ao valor dos terrenos, mas pode ser compensado por um aumento no volume vendido e ganhos de escala.
As lojas de atacarejo oferecem preços, em média, de 10% a 15% menores em comparação com outros canais, como supermercados. Isso indica que as classes de renda mais alta têm mais acesso a esses canais para economizar nas compras de alimentos do que as classes de menor renda.
Apesar desse desequilíbrio, tem ocorrido um avanço na participação do atacarejo como canal de venda entre os domicílios de menor renda.
Um ano atrás, nos 12 meses encerrados em março de 2023, a frequência das classes C, D e E no atacarejo era de 56,6% — e alcançava 51% até março de 2022.
Em âmbito nacional, esses percentuais eram de 65,4% até março de 2022, 70,6% até março de 2023, e subiram para 75,1% até março de 2024. O diretor da NIQ observa que a “lacuna” percentual entre a participação das classes C, D e E e o total diminuiu durante o período.
O relatório da NIQ, apresentado nesta quinta-feira (12) e intitulado “Tropicalizar para Crescer”, discute o potencial inexplorado das classes mais baixas na América Latina. O documento analisa o comportamento de compra das camadas de menor renda em países como Brasil, México, Peru, Colômbia, Chile e Venezuela, ressaltando a oportunidade de crescimento nesse segmento.
Somados, esses países possuem uma renda total de US$ 358 bilhões entre as classes de baixa renda (C, D e E), segundo cálculos da NIQ.
De acordo com a pesquisa, 14% dos gastos das classes de menor renda são destinados a marcas de alto valor, em comparação com 20% no painel total de classes. Embora esse percentual ainda seja inferior ao geral, o executivo da empresa de pesquisa destaca que isso aponta para um potencial a ser explorado nesse segmento, além de mostrar que há interesse dos consumidores em produtos mais supérfluos.
Nas marcas de preço baixo, 26% dos gastos estão alocados, enquanto as marcas de preço médio representam 61% do total de gastos.
Consultores de consumo observam que pessoas com menos recursos evitam errar nas compras, pois correm o risco de adquirir produtos de qualidade inferior e perder o investimento. Por isso, tendem a optar por marcas que percebem como de maior qualidade, apesar da evolução das marcas de primeiro preço em termos de qualidade nos últimos anos.
“No fim do dia, as marcas mais baratas tem importância grande na cesta, mas 14% do gasto vai para as marcas mais caras. O senso comum das empresas é pensar que explorar o consumo na menor renda ‘não é para mim’, mas isso não é necessariamente verdade”, disse Fagundes.
Questionado se a NIQ tem observado um aumento no consumo da população de menor renda por marcas mais caras após o período da pandemia, que reduziu os rendimentos das famílias e elevou os juros, Fagundes afirmou que a maior estabilidade dos indicadores econômicos tem impulsionado a recuperação da demanda.
“É a previsibilidade e a estabilidade que fazem com que as pessoas consumam mais ou comecem a gastar em outras marcas. O que observamos atualmente é que nem todas as marcas ou categorias estão em uma situação melhor, mas já vemos um crescimento em diversas classes ou categorias. E esse crescimento está mais distribuído entre os produtos”, disse ele. “Pelas nossas últimas pesquisas, continuamos vendo neste ano um aumento tanto em valor quanto em volume vendido”.
O executivo também mencionou exemplos de marcas de alto valor que conseguiram aumentar as vendas nas classes C, D e E. Produzir linhas com menor volume, e consequentemente, com preços mais acessíveis, tem sido uma estratégia bem recebida. Outra tática eficaz é ser uma marca de referência em uma categoria, com alta percepção de valor.
“Por exemplo, temos um ‘case’ de uma marca de tempero que é mais cara que a média, mas que possui uma percepção positiva muito forte no segmento de ervas. Embora seja inacessível para a classe de menor renda nesse segmento específico, ela se destaca em temperos porque carrega essa força da marca”, explicou.
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Fonte : Conexão Politica