Por Jorge Maranhão

O que fazer contra este crônico repetismo de Curupira, nosso caráter enganador que, de tanto enganar a todos, acaba por enganar a si mesmo? “O que fazer” não é o programa leninista. Este, sabemos que levou a grande Rússia a uma das mais sangrentas ditaduras comunistas. Como também a China, Cuba, Coreia do Norte e Venezuela, que, de quarto país mais rico do mundo na década de 70, passou a ser o país mais miserável da América Latina.

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Não é por acaso que onde o comunismo se planta deixa um rastro de destruição, fome e miséria, como vocês podem constatar no último documentário da produtora Brasil Paralelo: Infiltrados: Venezuela. E ainda vem “o nosso guia” bravatear o seu orgulho de ser comunista!

O que explica esse nosso repetismo político são as propostas que não estão sendo feitas por aqueles que podem fazê-las. Frequento alguns grupos de cidadãos esclarecidos que estão pensando o que fazer com o Brasil de hoje, mas o medo é maior do que a virtude cívica de agir e ficamos todos com nossas convicções ensimesmadas diante da crescente escalada do terrorismo de Estado que se instalou no país, a partir do momento em que a esquerda se infiltrou e aparelhou nossas mais altas Cortes, para além das universidades, da imprensa, das artes e entretenimento. Infelizmente, o Brasil caminha a passos largos para se tornar uma Brazuela e não a Belíndia que já chegamos a lamentar um dia.

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Embora algumas sugestões do que fazer brotem em alguns desses grupos, nenhum deles ataca a questão preliminar: o conluio de senadores moralmente comprometidos e sinistros ativistas para cobrar as reformas urgentes a serem encaminhadas pelo Senado Federal: as do próprio Judiciário, para que juízes e ministros não possam mais se manifestar fora dos autos, não criem jurisprudência sobre assuntos em processo legislativo no Congresso Nacional, muito menos sob matérias políticas pendentes de aprovação pelo Congresso. Enfim, não façam política abusando de um poder que não lhes foi concedido pela Carta Constitucional, anulando por consequência os inquéritos ilegais instaurados abusivamente e apurando suas responsabilidades.  

Além de retomar as reformas políticas do sistema eleitoral distrital, do referendum, da cláusula de revogação dos mandatos (recall) e, sobretudo, da revisão das funções “presidencialistas” das chefias das casas legislativas. Para que o poder volte de fato a emanar dos cidadãos eleitores e seus representantes eleitos e não se petrifique nas mãos de políticos delinquentes.

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Mas o que fazer se o sistema todo é farsante e os que nos (des)representam são os piores de nós? Tenho proposto que os tempos não estão propícios para manifestações de milhões de patriotas das ruas, diante dos receios autoritários. O que precisamos é, ao contrário, criar um fórum permanente de propostas de caráter privado composto de algumas centenas de cidadãos exemplares, sem vínculos com o poder público e de notória participação civil para o resgate da cidadania política. Uma espécie de shadow Congress composto de combatentes por um Brasil verdadeiramente democrático, com propostas a serem constrangedoramente encaminhadas aos senadores, em forma de manifesto assinado por milhões de cidadãos, a fim de conter a tentação totalitária de um Judiciário a serviço do esquerdismo e do tráfico de influência, visando sobretudo às mudanças do sistema político e judiciário que dormem há décadas nas gavetas do Congresso Nacional e ocupar a mesa diretora do Senado Federal enquanto as propostas não tramitarem.

O regime totalitário do atual Judiciário

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‘Alguns grupos nas redes sociais já batem nessa tecla das urgentes reformas política e do judiciário há algum tempo’, escreve Maranhão | Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil

Restaria aos cidadãos apenas iniciar a primeira versão do manifesto com a lista dos fundamentos das principais propostas e a lista dos potenciais signatários, além dos critérios para sua escolha por nós mesmos.

Alguns grupos nas redes sociais já batem nessa tecla das urgentes reformas política e do Judiciário há algum tempo. Só falta cotejá-las e caracterizá-las como urgentes e imprescindíveis para recolocar o país nos eixos e evitar o descaminho do “repetismo” já por três décadas provado e demonstrado como ruinoso.

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Como todas as instituições estão comprometidas com o baixo nível de seus infiltrados, só resta mesmo a ação cívica dos cidadãos de notória exposição no debate público que todos já temos listados com mais de uma centena de nomes. O regime totalitário do atual Judiciário pode prender um aqui, outro acolá, mas não pode prender uma centena de nossos cidadãos exemplares sem causar uma comoção geral, e até mesmo da mídia vendida.

Estaríamos, na verdade, reeditando uma proposta de há muitos séculos recomendada pelos pais fundadores do pensamento e da tradição política ocidental. Refiro-me à recomendação de Platão dos guardiões da polis detalhada no livro III de A República, caso em que nossas verdadeiras elites teriam a chance de se diferenciar das toscas e falsas elites que são apenas enriquecidas, sobretudo por mamar nas tetas do Estado. O que faria toda a diferença pelo fato de que seria evidenciado que nossa polis está entregue a quadrilhas de ladrões, malfeitores e omissos coniventes de vários graus de periculosidade. No livro XII de As Leis, inclusive, Platão sugere a instituição dos reparadores dos magistrados pelos cidadãos mais ilustres da polis, os chamados guardiões das instituições, caso os mesmos magistrados insistissem em se desviar da justiça e traficar sentenças por má influência de governantes corruptos e empresários corruptores. 

O repetismo petista

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Lula está em seu terceiro mandato como presidente da República | Foto: Agência Brasil/Marcelo Camargo

Nomes de empresários que construíram seu patrimônio com atuação exclusiva nos mercados seriam a marca de distinção dos próprios guardiões — vide recentemente um deles, que foi premiado pelo maior galardão de atuação em defesa das liberdades civis nos EEUU, com o prêmio The Guardians of Liberty, do Acton Institute, para o qual foi distinguido o brasileiro Salim Mattar.

A propósito, vale sobretudo uma reflexão sobre o conceito de “guardião”, pois o valor de “liberdade” já está em plena degeneração no Brasil “repetista” de hoje! Não foi por acaso uma das maiores torções barroquistas do advento da modernidade. De guardiões da polis, sobretudo dos reparadores dos magistrados, acabamos instituindo as gendarmerias com o “Iluminismo” da revolução francesa e a constituição do Estado Moderno. Ou seja, o que eram guardiões da polis em defesa do cidadão, contra os abusos dos governantes, foi torcido e contorcido até virar uma polícia armada contra as liberdades da cidadania e em defesa dos abusos dos governantes da vez!

Como referido em meu romance Curupira, o enganador do mundo e os doze dragões da maldade, e para além do mal uso das figuras retóricas de expressão da linguagem — jamais de apreensão da realidade! —, as principais são exatamente aquelas de que nossa cultura barroquista, deslocada para as áreas da moral, da política e da justiça, mais faz (mal) uso, como a metáfora, a metonímia, o paradoxo, a hipérbole, a ironia, o pleonasmo, entre outras, e que marcam nossa identidade barroquista.

Vejam o caso do chamado “paradoxo da tolerância” de Popper: se não se pode ser intolerante com a intolerância, acabamos por tolerar a intolerância, e se somos tolerantes com a intolerância, não há como sermos de fato tolerantes. Apenas um trocadilho? Nada demais, se não fosse o jeu de mots também um jeu d’idées. Pois não há na realidade a experiência de sermos tolerantes e intolerantes ao mesmo tempo e, sobretudo, em relação a qualquer coisa. Trata-se, como demostrado, de uma figura de linguagem apenas, de possibilidade imaginária e inexistente na realidade!

Para além das torções, retorções, contorções e distorções de nosso imaginário barroquista, e para além dos inúmeros exemplos que dou no meu livro “Destorcer o Brasil”, a atual repetição dos erros políticos do petismo nos leva a exasperada tentativa de repetição da farsa — gênero barroco por excelência — como a história que, como sabemos, só se repete enquanto farsa.

Como o “repetismo” petista de repetir a crença no poder do Estado quando o poder é dos cidadãos. Ou de repetir a lenda keynesiana de que o Estado é indutor de desenvolvimento à custa do crescente déficit público. Ou de repetir a perversão de que o Estado tem de tutelar a vida privada dos cidadãos. Ou ainda de repetir o aparelhamento das instituições por companheiros militantes desqualificados à custa da queda da sua própria qualidade institucional. Ou ainda de repetir a política de distribuição de bolsas e assistencialismo social aos cidadãos tornando-os servos dependentes dos governantes. Crônico repetismo de um petismo que já mostrou a que veio, seja por corrupção ou mera insistência maníaca no erro.

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Como as news que já correm soltas na internet, e que não sei se são fake ou não, de que a Petrobras, sob “nova” administração, está em vias de reabilitar as mesmas empreiteiras da Lava Jato depois de anulados os processos pelo nosso Supremo Jeitinho! Como a iminente cassação do Moro no rastro da de Dellagnol e da vingança dos corruptos pela perseguição de seus operadores. Ou das favas contadas de os juízes infiltrados começarem a homologar as ações de devolução dos bilhões desviados. Exatamente quando o capitão se torna inelegível e o ladrão inelegível se elegeu, ou melhor, tomou o poder.   

É o máximo do “repetismo”! Como não aprendemos, somos condenados a repetir indefinidamente! Pois repetir os erros políticos e de gestão pública provados e comprovados do petismo é como persistir no erro de tornar a errar para se ter certeza mesmo de que não dará certo da terceira vez o que repetimos de errado nas duas vezes anteriores. Pois errar uma vez é humano, duas vezes é burrice, mas três vezes é paixão inexorável pela estupidez! A prova inequívoca de nossa resiliência barroquista como caráter nacional.

As três voltas completas das torções das volutas, não por acaso o símbolo máximo do Barroco: a primeira volta da direita para a esquerda apenas para afirmar a nossa atração por desafiar o pecado adâmico da soberba; a segunda volta da esquerda para a direita para tentar enganar o demônio na iminência da Queda; mas, por fim, nossa irrefreável paixão barroquista pelo pleonasmo da terceira volta, a de renomear conteúdos iguais com diferentes rótulos: trocar a dura realidade pela maciez do imaginário, o todo pela parte, o certo pelo errado, o essencial pelo acessório, a justiça pelo processo; enfim, o insano “repetismo” barroquista de não passar de ano, dar um passo à frente e dois para trás, flertar com o abismo, chafurdar no pântano do impasse civilizatório, teimar em perseguir o rabo, chover no molhado, bater na mesma tecla, voltar à carga, a eito e despeito, sem respeito mesmo pela nossa história.

Maranhão
Jorge Maranhão é conselheiro consultivo do Instituto Liberal | Foto: Divulgação/Arquivo pessoal

Jorge Maranhão é conselheiro consultivo do Instituto Liberal. Mestre em filosofia pela UFRJ, dirige o Instituto de Cultura de Cidadania A Voz do Cidadão. É autor de Destorcer o Brasil — De sua cultura de torções, contorções e distorções barroquistas e acaba de lançar Curupira, o enganador do mundo e os doze dragões da maldade. Email: [email protected]

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R7

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